12 de novembro de 2008

sátira, de António Lobo Antunes

Sátira aos HOMENS quando estão com gripe

Pachos na testa,
terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sózinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

ANTÓNIO LOBO ANTUNES

a.l.

4 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom poema, uma homenagem às gripes (no plural, que parece sempre que a que nos atinge agora é sempre pior que a que já nos atingiu, logo, são diferentes gripes. Gripes) que afectam o país, quer patológica, quer politicamente (embora acredite quase piamente que também aí há uma qualquer gripe patológica mental). Nesta altura do ano estou a sofrer um pouco mais de alergias... Nada de especial, apenas um espirro ocasional. Votos de boas melhoras!

Anónimo disse...

Ah e gosto muito do pormenor de a pessoa descrita se chamar Lurdes. Perfeito :)

Anónimo disse...

Gosto quase particularmente do verso "Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada" :)

Anónimo disse...

és tão perspicaz, Tiago...:-)))
Bjis