acabei de ler o apocalipse dos trabalhadores, de valter hugo mãe (pois.. tudo em letra pequena, que ele não gosta de maiúsculas!:-)). tempo, então, de me sentir órfã, como sempre acontece depois que uma obra maior me agita e desassossega, me preenche, me adopta.
- não sei se é a fluidez da escrita, o registo oral parecendo fácil assim transposto, a natural integração dos diálogos, numa técnica que me soa ‘saramaguiana’.
- o carácter agridoce dos seus personagens, tão vulgares, simultaneamente, tão sublimes.
- a criatividade, a imaginação deliciosamente delirante.
- ou se é a transgressão formal, a pontuação reduzida ao mínimo, praticamente só vírgulas e pontos.
- será antes, talvez, a capacidade invulgar de elevar um quotidiano cinzento a uma claridade de nuvens. de transportá-lo ainda além, até às portas do céu: uma praça pejada de vendedores ambulantes (uma rebaldaria), onde a maria da graça espera grita insulta desespera, e o são pedro, casmurro: vai-te embora, mulher, não entendes que não vale a pena morrer de amor.
- será, também, o desfazer da lógica que, simples, se torna evidência incontornável. ou o humor posto assim, naturalmente, na ‘pessoa’ de um cão chamado portugal: cala-te, palerma, onde é que já se viu um país a ladrar.
- ou então, o amor a-final da quitéria tornada indefesa pelo toque desse homem que se desiste máquina, desse jovem ucraniano (sete milhões de mortos de fome nas décadas de 20 e 30 do século vinte, sabiam? ..), desse andriy filho de ekaterina farol-casa-parede-mestra, cansada ekaterina, ekaterina desmaterializando-se, andriy filho de sasha-louco: imagina-me sorrindo, filho.
- os personagens expondo-se, inteiros, e nós entrando-lhes dentro. e eles insinuando-se, entranhando-se. e corrompendo-nos, como o maldito-amado-senhor-ferreira à mulher-a-dias maria da graça: ensinando-lhe goya, os artistas que são capazes até de surpreender o criador. e o requiem de mozart, o volume posto no máximo, anunciando-lhe a despedida, emoldurando-lhe a final celebração.
só a paixão pode, num momento de afinidade com a vontade de deus, resultar numa obra tão impossível, e isto é fernando pessoa. ou, como diz o próprio vhm, "uma escrita por dentro da pele". é esse, certamente, o segredo, o fascínio deste romance. isso, e o amor imenso que dessa escrita se desprende. a cada folha lida, partilhada, volatilizando-se. contaminando-nos. porque o amor não cabe quieto no espaço tão pequeno que é o corpo de uma mulher. no de um livro também não.
obrigada, valter hugo. e que venha um romance novo, depressa, urgentemente.
todas as frases em itálico são transcrições de 'o apocalipse dos trabalhadores'
uma entrevista ao autor, aqui
al
6 comentários:
agora q já leste, tens de me emprestar o livro :)
bjs
está feito. é só dizeres qdo
:-)
ana,
muito obrigado pela tua leitura. fico muito contente que o meu livro tenha tido um bom efeito em ti. é sempre uma recompensa preciosa a partilha de um texto com alguém que identificou neste alguns pontos de interesse.
muito obrigado.
beijinho
não, eu é q agradeço, livros, escritores q me desassossegam assim. e muuuito obrigada por teres cá vindo outra vez!:-)
bjis
O livro já está disponível na BE para empréstio domiciliário.
Rosário
Obrigado por mencionar o nosso Holodomor, sim, cerca de 7 milhões de mortos, apenas uma correcção, em dois anos, 1932-1933. Toda a População de Portugal na época....
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