4 de outubro de 2008

a literatura, as paixões: João de Melo

Numa altura em que a chamada 'prosa light' prolifera pelas livrarias como maçãs envenenadas, vamos aqui, periodicamente, dedicar alguns posts à divulgação, sim, mas da boa literatura.
E ... gracias! - aos bons autores e aos bons livros, que nos preenchem: de sonhos, de sombras, e de vida ...

Comecemos, então, pelo senhor ao lado: João de Melo (além de escritor, também professor, actualmente Conselheiro Cultural na Embaixada de Portugal em Madrid e principal responsável pela Mostra da Cultura Portuguesa)

João de Melo é um mago das palavras, que entretece com uma mestria rara (muito rara..), num registo intimista e quase sempre comovente. Escreve como se, sussurrando ao ouvido do leitor, se confessasse . Ou como se compusesse música: às vezes uma sinfonia, uma sonata (- appassionata...) , às vezes um requiem.

A sua prosa é intensamente poética, de uma sensibilidade primordial, à flor da pele. Mesmo quando, “um cão revolvendo-se-lhe no estômago ou nos pulmões”, se entrega - inteiro, desnudo, ao relato de experiências terríveis - vividas ou imaginadas. É assim, por exemplo, no conto “A Esposa”, mas sobretudo nesse inigualável “Autópsia de um Mar de Ruínas”: um romance visceral, 'dorido e doloroso', a um tempo belo e cruel. A palavra em carne viva, a memória enferma da guerra colonial em Angola, onde (citando Nuno Bragança) "foi - para salvar vidas." Um livro que dói como uma perda, ou uma pedra. Um livro que não conseguimos - que não podemos - deixar de ler.

Depois ... em João de Melo há também Lisboa, a cidade onde viveu grande parte da sua vida – uma cidade que ele vê em arco, onde 'é' ..."O Homem Suspenso". E há Évora, que ama 'como a si mesmo'. Há as ilhas. E as frágeis criptomérias, sempre tão carentes de amor …
E há o mar (oh, sim, o mar!...) : o branco, dos Açores, o de Madrid, do seu último romance, e sobretudo, o outro, do conto “O Gémeo e a Sombra”. Do mais bonito que alguma vez li…


Então..? Imperdoável não conhecer este escritor, verdad ? Peçam-no aqui, na biblioteca, perguntem por ele na Fnac, nas livrarias da Baixa, na Byblos (conhecem? - boa oportunidade para uma visita, não? Fica em frente às Amoreiras, em Lisboa).

- clicar para ler aqui, uma carta lindíssima, lindíssima , de um personagem da "Autópsia de um Mar de Ruínas" (ao meio)


Notas:
- os contos acima referidos estão no livro “As Coisas da Alma” - [não deixem de ler!!]

- das criptomérias, de Évora e de outros amores fala João de Melo no seu “Dicionário de Paixões” - [óptimo, também]

- "O Homem Suspenso" é um dos romances seus que prefiro


postado por ana lima

2 comentários:

Anónimo disse...

belíssima a carta...aproveitei e fui aos outros links, escritores e artistas portugueses e gostei de ver passar aqueles nomes e rostos que foram fazendo parte da minha vida (das nossas vidas, não é?); mais, que foram boas companhias em certos momentos, vozes provocadoras noutros,parceiros de angústias e sombras, ou sorrisos, cumplicidades, sol a entrar pela vida adentro. agora morreu o dinis machado e eu só li dele um livro, e lembrei-me do espanto, da leitura delirante, da sensação de ter o mundo a desmultiplicar-se em várias direcções - claro, "o que diz molero", objecto fantástico e vertiginoso. queria eu dizer apenas que ainda bem que falam de livros e escritores, que fazê-lo em ligação com a escola é ainda mais extraordinário e corajoso, e que o nosso pequeno mundo fica melhor quando se parece com uma biblioteca viva.

professores-responsáveis disse...

Olá a_cristóvão!
Já tinha postado resposta, mas ñ a vejo em lado nenhum... Vou então repetir:os parabéns, os agradecimentos.
Queria dizer, primeiro que tudo, que gostei imenso, imenso, do teu texto. Tão bem escrito!! E tão inspirador, também. Obridada.
É bem verdade, " há sempre alguém que nos merece!" - que nos deslumbra, também.
- A carta do JM é lindíssima, mesmo, não é?

Espero a tua visita, a_c, mais assídua, aqui, onde vou ainda ganhando forças (pelas paixões q dou a conhecer, pelos comentários, os incentivos q às vezes me chegam)- forças para enfrentar essa 'pedra no sapato' (cada vez mais) em que se tornou o nosso quotidiano.
Obrigada, mais uma vez.

ana lima